Em muitas passagens bíblicas parece claro um conflito entre os desígnios divinos para o ser humano e aquilo que ele vive em seu dia a dia, no cenário da Terra. Qual a razão desse conflito? Eterna punição de Deus à “desobediência no Paraíso”?
De fato, sem um embasamento filosófico mais profundo, a inteligência se desarvora diante de enigmas aparentemente sem saída, às vezes apresentados – e solucionados – com uma proposta simbólica nos livros sagrados. O aprofundamento fica a cargo de cada um.
Atributo característico do ser humano, juntamente com a “Individualidade Espiritual”, a inteligência proporciona ao homem a “capacidade de adaptação”, possibilitando-lhe aprender rapidamente e sobreviver de acordo com as variações do ambiente. Por essa razão ele talvez seja um dos poucos mamíferos que come com a mesma naturalidade tanto um naco de carne como uma folha de alface, ao passo que – no sentido “animal” do seu corpo – nasce como o mais fraco e dependente entre eles.
Aquilo que no reino animal dá à caça e ao predador o equipamento adequado para que haja um equilíbrio natural entre experiência, sobrevivência e comida – tais como veneno, mimetismo, astúcia e velocidade, além do instinto da “Alma Grupo” -, no reino humano é resolvido pela inteligência. Mas esse recurso, no homem comum, é condicionado pelo baixo desenvolvimento mental e pelo desejo egoísta. Assim, sua inteligência se limita à busca de segurança, prazer e uma compreensão bem utilitarista de seus relacionamentos.
Subordinado, como um tigre, às “leis da sobrevivência”, de que forma o homem reage quando há qualquer ameaça às suas ilusórias posses físicas, afetivas ou mentais? Com a mesma disposição do tigre, ou até pior, pois utiliza a inteligência para a prática dos mais pavorosos crimes e ardis. Assim, pode-se dizer que um homem só é de fato digno desse título quando o seu lado espiritual – ainda “grupal” nos animais – começa a aflorar.
Quem são “César” e “Deus” na frase crística acima? Simplesmente as duas faces básicas dessa entidade paradoxal – meio-animal, meio-anjo – que o ser humano apresenta, aglutinando indivíduos de diversas etapas evolutivas, ao longo de milhares de anos.
César e Deus estão dentro de cada homem. Essencialmente, dar “a César o que é de César” significa atender as necessidades da forma material (o “dharma” do corpo), a fim de que possa abrigar o Ser Espiritual, num processo cada vez mais profundo de autoconhecimento.
Prosperidade material não é crime, se licitamente construída, e especialmente se sabiamente administrada. O problema está no apego que gera, lembrado na parábola do “moço rico”. Nosso grande conflito é justamente fazer a primeira parte, mas não a segunda – dar “a Deus o que é de Deus” – tornando a vida uma insaciável busca de prazer e bens terrenos.
Não obstante, sendo nossa natureza essencialmente divina, toda experiência é no fim um “aprendizado de Deus” em nós mesmos. Toda experiência acaba sendo divina, geradora de consciência, pois “somos Espíritos vivendo uma experiência material”, e não o contrário.
É sintomática a declaração de H.P.B. na “Doutrina Secreta” quando diz que, de um total médio de 777 vidas como seres humanos, vivemos setecentas (90%) como selvagens e semi-civilizados, setenta como civilizados e apenas sete na “Senda do Discipulado”. Considerando que hoje, com a Raça Ariana, estamos pouco além do meio da jornada humana (a metade ocorreu na anterior, a Raça Atlante), qual seria a nossa classificação geral?
Se for a de “semi-civilizados”, melhor se entende o caos reinante no planeta. E também porque Deus em cada homem – na partilha junto a César – deve neste momento se conformar com tão pouco.
Walter Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA
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