Num dos capítulos mais desoladores e cruéis da História do Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, em apenas três dias, cinco navios mercantes brasileiros foram torpedeados pela Alemanha de Adolf Hitler no litoral do Nordeste. Na noite do dia 15 de agosto de 1942, um sábado, o ataque de um submarino alemão ao Baependi, quando navegava pela costa de Sergipe, deixou 270 mortos, e apenas 36 pessoas se salvaram. Foi a maior tragédia brasileira na guerra, até então, e as cenas de horror do naufrágio foram narradas durante dias, meses e anos seguidos pelos sobreviventes.
Com 142 pessoas a bordo, na mesma noite de 15 de agosto, o navio Araraquara foi atacado também no litoral sergipano, resultando na morte de 131 pessoas. No dia seguinte, foi a vez do Aníbal Benévolo, que afundou também em Sergipe e deixou 150 mortos, dos 154 tripulantes. Encerrando a série de ataques alemães, no dia 17, afundaram os navios Itagiba (36 mortos) e Arará (20 tripulantes mortos), ambos no litoral da Bahia. Os ataques provocaram comoção popular poucas vezes vista no país, que ganhou as ruas com demonstrações de civismo e represálias aos imigrantes alemães, italianos e japoneses. Esses acontecimentos forçaram o governo Vargas a declarar guerra aos países nazifascistas do Eixo, satisfazendo também aos interesses dos Estados Unidos.
O sentimento de união entre as nações do continente americano se fortaleceu após o ataque japonês aos Estados Unidos, à base de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941. Em janeiro de 1942 foi realizada no Palácio Tiradentes, no Centro do Rio de Janeiro, a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas. Ao final do encontro, o Brasil rompe relações diplomáticas com os países do Eixo e promove a retirada de seus embaixadores do país. Os sucessivos ataques aos nossos navios foram uma dura resposta a essas medidas. Já não havia mais espaço para a neutralidade do Brasil frente ao conflito: em 22 de agosto de 1942, o presidente Getúlio Vargas declarou, finalmente, guerra à Alemanha de Hitler e à Itália de Benito Mussolini. Na ocasião, O GLOBO publica edição extra com a manchete: "Guerra!". Em seu subtítulo, informa: "O governo do Brasil reconhece o estado de beligerancia com a Alemanha e a Itália". No dia 31 de agosto, o governo Vargas anunciava o estado de guerra contra as potências do Eixo.
Construído em Hamburgo, na Alemanha, em 1912, o Baependi foi incorporado à frota mercante nacional após a Primeira Guerra Mundial. Tinha 114 metros de comprimento, capacidade para transportar até 4.801 toneladas e alcançava a velocidade de 12 milhas horárias. No dia 9 de agosto de 1942, um domingo, o navio partiu do Rio rumo ao Norte do país. Levava 306 pessoas a bordo, das quais 73 eram tripulantes e 233 passageiros. Muitos eram militares, que estavam acompanhados de suas famílias para se instalar no Recife. Sua primeira escala foi na cidade de Vitória, no Espírito Santo. No dia 13, chegaram a Salvador,onde ficaram até 15 de agosto, saindo bem cedo em direção ao Recife.
A viagem transcorria tranquilamente. Era aniversário do primeiro comissário, que ofereceu um jantar com champanhe e boa música aos passageiros. Por volta das 19h, enquanto navegavam a cerca de 50 milhas da costa de Sergipe, o Baependi foi atacado pelo submarino alemão U-507, uma eficiente máquina de guerra que já havia afundado dez navios dos Aliados. Estava em águas brasileiras desde o início de agosto e era comandado pelo experiente Harro Schacht. O navio foi torpedeado duas vezes: na primeira, adernou, e, na segunda, menos de cinco minutos depois, a embarcação ficou de ponta a cabeça. Houve ainda uma explosão em sua estrutura, antes que afundasse completamente.
O capitão Jorge Tramontim, que seguia para o Recife no Baependi, descreveu as cenas de horror quatro décadas depois. Em entrevista ao GLOBO, publicada em 27 de agosto de 1972, o oficial descreveu os momentos que sucederam ao ataque: "As pessoas corriam de um lado para o outro; no desespero se abraçavam e gritavam: 'Vou morrer'. O navio afundou meio adernado, tudo isso numa questão de minutos. Eu, abraçado à coluna, fui arrancado pelo vácuo, e depois de submergir voltei à tona". Na mesma edição, outro sobrevivente, o médico Zamir de Oliveira relembrou: "Eu estava no deck com um aspirante, Assunção, ele não sabia nadar. Antes de se jogar no mar ainda deu um 'Viva o Brasil' e partiu para morrer".
Não bastasse o cenário de pavor após o naufrágio, com mortos e feridos lançados ao mar, os sobreviventes que tentavam se agarrar aos restos flutuantes da embarcação ou os que se aproximavam das baleeiras eram metralhados pelo submarino alemão. Os alemães também levaram os brasileiros a cair numa armadilha. O navio Araraquara foi atraído pelos pedidos de SOS do Baependi, emitidos pelos rádios dos submarinos alemães, que em seguida efetuaram o bombardeio.
A luta pela vida aconteceu num cenário desolador, conforme os relatos de sobreviventes do Baependi, entre eles o médico Viterbo Storry. Ao cair no mar, ele se agarrou a uma porta e nela se equilibrou por horas lutando contra a violência das ondas. Ainda pôde oferecer ajuda a outros dois náufragos, até serem socorridos por uma balsa. Nela, ouviram que outras pessoas enlouqueceram em alto-mar, segundo reportagem publicada no GLOBO em 22 de agosto de 1942. "Pessoas enlouqueceram e se atiraram n'água, uma delas disse que ia para casa e se jogou; outro dizia que ia tomar uma média; outro acusava os companheiros de balsa de bêbados e se afogava... outros estavam nadando e de repente gritavam e afundavam rapidamente. Eram os peixes!" Na verdade, foram devorados por tubarões.
A crueldade com que o Eixo atacou os navios brasileiros gerou uma grande mobilização popular. Comícios se espalhavam pelas ruas, comércios, escolas e até cinemas foram fechados em sinal de luto. A manchete do GLOBO de 18 de agosto de 1942 estampou o sentimento da nação: "Desafio e ultraje ao Brasil!". A população indignada se voltou contra imigrantes alemães, italianos e japoneses. A casa do alemão Heinrich Beaabe, na Rua Itabaiana, no Grajaú, Zona Norte do Rio, foi apedrejada, enquanto a Pensão Hamburgo, na Rua Cândido Mendes, na Glória, foi pichada com um desenho de Hitler e a frase: "Ele pensa que dominou o mundo". No dia 21 de agosto, em meio a notícias de sobreviventes, a manchete que todos esperavam veio na declaração do ministro de Guerra, general Eurico Gaspar Dutra: "O Exército revidará a agressão!"
As operações de guerra da Alemanha no Brasil também marcaram profundamente a população costeira de Sergipe, que vivenciou a chegada de náufragos moribundos às suas praias e de corpos mutilados. Os ataques sofridos por navios brasileiros durante a Segunda Guerra deixaram mais de mil mortos e muitos outros feridos. A maior tragédia brasileira aconteceria ao final do conflito e teria sido um acidente. No dia 4 de julho de 1945, quando navegava próximo ao litoral de Pernambuco, o cruzador Bahia foi atingido por uma violenta explosão acidental, durante um exercício com metralhadoras antiaéreas. Dos 372 homens que estavam a bordo, inclusive quatro marinheiros americanos, 340 morreram no naufrágio do navio, que estava próximo ao arquipélogo de São Pedro e São Paulo, que pertence a Pernambuco. Os ataques aos navios brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial, continuam como um capítulo de nossa história, pouco conhecido por grande parte dos brasileiros.
* com edição de Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO
Ataque. O Baependi, navio do Lloyd Brasileiro, foi torpedeado por submarino alemão quando navegava pela costa de Sergipe, em 15 de agosto de 1942
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